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O urso e a panela

“Um grande urso, vagando pela floresta, percebeu que um acampamento estava vazio. Foi até a fogueira, ardendo em brasas, e dela tirou um panelão de comida. Abraçou a panela com toda a sua força e enfiou a cabeça dentro dela, devorando tudo. Enquanto abraçava, começou a perceber que algo o atingia. Na verdade, era o calor da panela... Ele estava sendo queimado nas patas, no peito e onde mais a panela encostava. O urso nunca havia experimentado aquela sensação e, então, interpretou as queimaduras pelo seu corpo como uma coisa que queria tirar-lhe a comida. Começou a urrar muito alto. E, quanto mais alto urrava, mais apertava a panela quente contra seu imenso corpo. Quanto mais a panela o queimava, mais ele a apertava contra o corpo e mais alto urrava. Quando os caçadores chegaram ao acampamento, encontraram o urso recostado a uma árvore, segurando a tina de comida. O urso tinha tantas queimaduras que estava grudado na panela e, mesmo já morto, ainda mantinha a expressão de estar rugindo”. Ao ouvir esta história de um mestre e amigo, percebi que, em nossas vidas, por muitas vezes, abraçamos certas coisas que julgamos serem importantes. Algumas delas nos fazem gemer de dor, queimam-nos por fora e por dentro, e mesmo assim nos mantemos apegados a elas. Temos medo de abandoná-las e esse medo nos coloca numa situação de sofrimento, de desespero. Apertamos essas coisas contra nossos corações e terminamos derrotados por algo que tanto protegemos, acreditamos e defendemos. Em certos momentos, é necessário reconhecer que nem sempre o que parece ser a salvação nos dá condições de prosseguir. É impressionante como a muitas pessoas não têm consciência do sentimento de apego. Apegam-se a idéias, emoções, crenças, hábitos, objetos, pessoas, situações, mágoas, frustrações e - pasmem!- até a doenças. O medo do desconhecido é tanto que ficam presas ao que lhes parece familiar e seguro. Referem-se a tudo com um sonoro pronome possessivo: meu filho, minha roupa, meu emprego, meu modo de pensar, meu trauma, minha crise, meu fracasso, minha gastrite, minha depressão... e por aí vai. Li no livro “Alegria e Triunfo”, de Lourenço Prado, o caso de uma senhora que fazia terapia por ter perdido um filho e estar muito abalada. Quando a terapia começou a surtir efeito, ela interrompeu bruscamente. Numa carta ao terapeuta, justificou que não poderia continuar, pois se surpreendeu sorrindo novamente. Como uma mulher que perdeu um filho poderia voltar a sorrir?!! O apego à crença de que nenhuma mãe pode ser feliz se perder um filho impediu-a de aceitar que estava viva e tinha direito à felicidade. De todos os apegos talvez o mais pernicioso seja aquele que nos faz reter ressentimentos. As mágoas, frutos das expectativas de que o outro deve corresponder aos nossos anseios e fantasias, são sentimentos cáusticos que corroem a vida de quem insiste em alimentá-las. Ao nos defrontarmos com pessoas amargas, insatisfeitas, entregues ao vitimismo, podemos ter certeza de que carregam, como se fossem tesouros, inúmeras mágoas. Muitas vezes transformam esses sentimentos em “meios de vida”, ou seja, recontam suas histórias, as injustiças que sofreram, as ingratidões que receberam, para com isso fazerem jus à simpatia alheia, obtendo a atenção que acreditam necessitar. Aos poucos, essas pessoas vão se tornando enclausuradas em suas memórias dolorosas e não percebem o quanto estão deixando de viver, crescer, evoluir. Cultivam as próprias dores, identificam-se com elas e recusam-se a deixá-las ir, por mais que isso as faça sofrer. Acabam, com essa atitude, afastando a todos de seu convívio. Perdão é o desapego da mágoa. É o sentimento de libertação, é o alívio incondicional, é o lenitivo infalível para as mazelas da alma. Ao contrário do que se costuma pensar, perdoar beneficia muito mais o ofendido do que o ofensor. Quando perdoamos, livramos nossos corações de um peso indesejável, de um sentimento corrosivo que nos consome e nos impede de cumprir o Plano Divino de nossa vida na Terra. Carregar indefinidamente um lixo emocional que nos abala e nos faz perder a vontade de ser feliz é uma atitude suicida. Perdoar é compreender que cada um age de acordo com o que sabe. É admitir que somos todos seres em evolução, mas que falhamos muitas vezes por ainda não estarmos plenamente desenvolvidos. É reconhecer que o agressor, na maioria das vezes, está precisando de mais socorro do que o agredido. É libertar o outro do nosso sentimento desequilibrado, para dessa forma ficarmos livres e leves para prosseguir nossa jornada. Permita-se ficar curado. Perdoe hoje todos aqueles que, consciente ou inconscientemente, o tenham agredido de alguma forma. Perdoe seus pais, professores, amigos, filhos, cônjuges, etc. Pense que cada um agiu como sabia, dando o que melhor podia de si em cada momento. E, acima de tudo, perdoe-se! Desapegue-se de suas culpas, suas frustrações, seu excesso de autocrítica. Ame ao outro e a si mesmo, beneficiando-se da magia sublime do perdão que cura e transforma. Tenha a coragem, a visão e o amor que o urso não teve. Observe e compreenda o padrão de carência que te faz agarrar uma coisa até o "fim", e tire de seu caminho tudo aquilo que te faz arder além da medida. SOLTE A PANELA! Maria Lúcia Sene Araújo